A promulgação da Lei 14.181, ocorrida em 01 de julho de 2021, trouxe diversas novidades para o ordenamento jurídico brasileiro e, consequentemente, para os operadores do Direito.
Trata-se da popular “Lei do Superendividamento”, uma norma proveniente do Projeto de Lei do Senado Federal n° 283/2012, que tem por objeto principal a proteção dos “superendividados”, ou seja, dos consumidores de boa fé que não conseguem pagar suas dívidas sem comprometerem o seu mínimo existencial (conjunto básico de direitos fundamentais que asseguram a cada pessoa uma vida digna, com acesso à saúde, alimentação e educação, por exemplo).
Mas quais foram os principais pontos trazidos pela nova Lei?
- Prevenção e tratamento do “superendividamento” na fase de contratação de produtos/serviços e respectivos deveres dos fornecedores:
Inaugurando um importante capítulo na seção atinente aos contratos de adesão no Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Lei n° 14.181/2021 incluiu os artigos 54-A a 54-G, os quais tratam especificamente da prevenção e tratamento do “superendividamento” e abarcam uma série de medidas a serem adotadas e revisadas, especialmente pelos fornecedores de crédito.
A título de exemplo, realça-se o artigo 54-B, que estabelece: (i) a necessidade do fornecedor em expressar as taxas de juros mensais e de mora, bem como todos os encargos, no caso de atraso no pagamento pelos produtos/serviços consumidos; (ii) a necessidade de destaque ao consumidor do valor das prestações e dos dados do fornecedor; e (iii) a possibilidade de liquidação antecipada do débito pelo consumidor, não onerosa.
Além disso, os artigos 54-C e 54-D também retratam algumas vedações aos fornecedores de créditos, no modo de oferta do seu produto ao consumidor (seja de forma publicitária ou não), bem como indicam as medidas a serem tomadas por esses fornecedores, respectivamente. Destaca-se que, com o advento desses dispositivos, uma das incumbências do fornecedor de crédito passa a ser a avaliação da condição econômica do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito.
O Parágrafo Único do aludido artigo 54-D alerta que, eventual descumprimento às obrigações previstas aos fornecedores de crédito, poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
Ressaltamos, ainda, a redação do artigo 54-F, que define como contratos conexos, coligados ou interdependentes os contratos principais de produtos/serviços e os contratos acessórios de crédito que garantam o financiamento, quando o fornecedor de crédito: (i) recorrer ao fornecedor do produto/serviço para a preparação ou conclusão do contrato de crédito; ou (ii) fornecer o crédito no mesmo local da atividade empresarial do fornecedor do produto/serviço financiado ou de celebração do contrato principal.
No âmbito dessas hipóteses abarcadas pelo artigo 54-F, o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor, seja do contrato principal ou do contrato de crédito, implicaria a resolução de pleno direito do contrato que lhe seja conexo, coligado ou interdependente. Da mesma forma, no caso de inexecução de qualquer das obrigações e deveres do fornecedor de produto/serviço, o consumidor poderá requerer a rescisão do contrato não cumprido contra o fornecedor do crédito.
Por fim, encerrando as disposições do inédito capítulo, o artigo 54-G abarca uma série de vedações administrativas aos fornecedores, constando-se, portanto, que, a partir da nova Lei, estes deverão dar atenção especial às novas regras para que se adequem e evitem qualquer responsabilização, seja na seara do Direito individual do Consumidor, ou mesmo alguma penalização administrativa por descumprimento dos preceitos.
- Conciliação do “superendividamento”:
A nova Lei 14.181/2021 trouxe também as inclusões dos artigos 104-A, 104-B e 104-C no Código de Defesa do Consumidor (CDC), os quais estabelecem a possibilidade do devedor pessoa física realizar um pedido de repactuação de suas dívidas junto aos Tribunais de Justiças Estaduais, mediante a criação de um plano de pagamento que não lhe seja tão oneroso, em procedimento semelhante ao aplicado nas recuperações judiciais das sociedades empresárias.
Nesse sentido, o artigo 104-A, §4º, da referida norma estabelece que o plano de pagamento apresentado deverá conter: (i) a proposta de dilação de prazo para a solvência, bem como de redução dos encargos; (ii) a suspensão ou extinção de eventuais ações judiciais de cobrança que estiverem em curso; (iii) a data de exclusão do nome do consumidor do cadastro de inadimplentes; e (iv) o compromisso de que o consumidor tomará todas as cautelas necessárias para não agravar sua situação financeira.
Salienta-se que a homologação do acordo de repactuação e pagamento das dívidas terá força de título executivo judicial transitado em julgado e não importará reconhecimento de insolvência civil, podendo ser repetida depois do prazo de 2 (dois) anos, contados da liquidação das obrigações adquiridas no plano anteriormente homologado.
Contudo, não havendo conciliação com algum dos credores, o juiz instaurará, a pedido do consumidor, processo de “superendividamento” com o objetivo de revisar e integrar os contratos, repactuar as dívidas remanescentes por plano compulsório e citar todos os credores que estiverem fora do acordo celebrado (artigo 104-B).
Será incumbência do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do art. 104-A do CDC. Em caso de conciliação administrativa para prevenir o “superendividamento” do consumidor pessoa natural, os órgãos públicos poderão promover, nas reclamações individuais, audiência global de conciliação com todos os credores e, em todos os casos, facilitar a elaboração de plano de pagamento, preservado o mínimo existencial.
- Considerações Finais
Em sede conclusiva, cumpre salientar que a popular Lei do Superendividamento também trouxe outras modificações tangentes ao Estatuto do Idoso e a demais normas esparsas, as quais também tiveram um papel substancial para a mudança estrutural do mercado brasileiro de concessão de crédito.
Isto posto, como resultado da regulamentação deste setor, e preenchimento de suas respectivas lacunas, espera-se que, daqui em diante, os reflexos da nova norma sejam positivos e que seu escopo preliminar de proteção da dignidade humana do consumidor “superendividado” seja plenamente atingido.
Por fim, importante ressaltar que a norma não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam dívidas oriundas de contratos celebrados dolosamente (com o propósito de não realizar o pagamento) ou que decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
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Por Luiza Fernandes Barbieri, Bianca Oliveira Begossi e Daniel dos Santos Fonseca Lago.