Fundo de comércio não deve ser considerado no procedimento de apuração de haveres, entede TJ-SP

Foi publicado no dia 17 de agosto de 2022, acórdão proferido pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual inadmitiu da inclusão do fundo de comércio da sociedade para o cálculo do montante devido ao sócio retirante em sede de procedimento de apuração de haveres.

Para garantir o melhor entendimento acerca da referida decisão, faz-se relevante compreender, preliminarmente, a atribuição que é dada pelo ordenamento jurídico brasileiro ao procedimento de “apuração de haveres”, ao qual a decisão faz referência, bem como a delimitação daquilo que vem a compor o denominado fundo de comércio de uma sociedade.

Em apertada síntese, tem-se que o procedimento de “apuração de haveres” vincula-se ao fenômeno da “dissolução parcial da sociedade” que, por sua vez, ocorre quando há uma rescisão do contrato social, podendo ocorrer por diversos motivos, relativamente a uma de suas partes, de modo a acarretar, por via de consequência, na redução proporcional do capital social da sociedade e na constituição de um crédito, denominado reembolso, e favor do sócio desligado ou de seu sucessor. O cálculo de tal reembolso abrange uma série de procedimentos, aduzidos pela expressão “apuração de haveres”.

Assim, conforme preceitua o artigo 1.031 do Código Civil de 2002, o cálculo do reembolso devido ao sócio desligado terá como base o valor patrimonial da participação societária, se o contrato social não dispuser de outro critério.

De outro modo, o “fundo de comércio”, também denominado de “estabelecimento comercial” por muitos doutrinadores, configura-se como sendo o conjunto de bens corpóreos (instalações, máquinas, mercadorias em estoque, veículos e etc.) e incorpóreos (patentes e marcas), reunidos pelo empresário para o desenvolvimento da empresa.

Foi com base nestas premissas que a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo foi demandada em um recurso de apelação interposto por uma Editora e por seu sócio desligado, concomitantemente, em razão de sucumbência recíproca experienciada pelas partes no juízo de piso.

Assim, embora juízo de 1º grau tenha considerado a inclusão do fundo de comércio para computo do reembolso devido ao sócio desligado, uma vez que, segundo o magistrado: “a apuração de haveres deve abranger todos os bens integrantes do patrimônio incorpóreo da sociedade: o fundo de comércio e aviamentos, a clientela, know-how dos funcionários, a aptidão da empresa para gerar lucros/riqueza, além de sua imagem de mercado […]”, o eminente Relator do recurso, desembargador Azuma Nishi, em seu voto, entendeu pela preponderância daquilo que fora convencionado pelas partes, na ocasião da elaboração do contrato social, ou, em sua ausência, àquilo que consta previsto no artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015.

Desta forma, segundo o Relator, o contrato social havia definido para a ocasião, a apuração do valor do reembolso mediante um levantamento via “balanço patrimonial extraordinário” que, conforme entendimento do mesmo, o termo “extraordinário”, se referiria: “não ao balanço ordinariamente levantado por ocasião do encerramento do exercício social, mas aquele especialmente levantado para fins específico de apuração de haveres do sócio retirante.”.

Portanto, o método convencionado por meio do contrato social em questão visaria: “prestigiar o patrimônio líquido constante da contabilidade da sociedade, ou seja, na linha do que dispõe o Código Civil, em que foi prestigiado o critério contábil e não o valor econômico da empresa.”, o que, por sua vez, estaria em harmonia com o artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015, que não considera os resultados futuros para fins de cálculo do valor do reembolso.

Em sendo assim, constatou o desembargador que o critério baseado no valor econômico da empresa, utilizado para dimensionar o valor de seu fundo de comércio, seria incompatível com o critério legal estabelecido pelo Código de Processo Civil de 2015, uma vez que, enquanto este se baseia nos proveitos futuros, de modo que o socio desligado se beneficiaria dos resultados futuros da sociedade, o critério contábil, de outro modo, se baseia na história construída da sociedade, através de seu patrimônio até a data de retirada do sócio.

Ainda, também foi utilizado como base para fundamentar tal decisão, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) frente ao tema, tido em sede de Recurso Especial: “O artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 veio reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo 1.031), tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução parcial de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação”.

Por fim, vale ressaltar o destaque do relator acerca do computo dos bens intangíveis da sociedade quando da apuração do valo do reembolso, de modo que aqueles que possuam valores intrínsecos e que possam integrar o balanço patrimonial contábil da sociedade devem ser considerados, tais como marcas e patentes registradas.

A equipe do Zanetti e Paes de Barros Advogados permanece à disposição para solucionar eventuais dúvidas.

 

Guilherme Amaral Ricardo e Daniel Lago.